É fato que a quarentena ampliou o uso da internet pelas pessoas. Tanto para o bem, quanto para o mal. Em um cenário normal, já temos números assustadores de prática de ofensa pela internet. A suposta proteção que a internet possibilita, permitindo se esconder por trás de contas falsas, cria um excesso de confiança nas pessoas, que acreditam que podem praticar atos ilícitos sem ter a sua real titularidade descoberta.
E isso tem um certo “quê” de verdade: a estrutura de investigação dos crimes digitais ainda é muito precária, inexistindo corpo técnico qualificado, estrutura física adequada ou delegacias especializadas para a apuração dos ilícitos. Esse contexto corrobora com que as ofensas praticadas na internet tenham o potencial de causar danos irreparáveis às vítimas: tanto por sua força de alcance, quando pelo poder de perdurar pela eternidade, sem nunca acontecer a punição dos ofensores.
Como se não fosse suficiente, estamos em ano eleitoral, quando a prática de ataques online cresce exponencialmente.
Por isso, escrevi este artigo, no intuito de orientar as vítimas sobre como agir quando objeto de ofensa pela internet, para que esta saiba como minimizar os danos que a propagação do referido conteúdo pode lhe causar, bem como realizar a prévia apuração de provas ao caso, permitindo a punição do ofensor pelos danos causados.
Tudo isso fará parte da desconstrução de uma imagem de que ofensores digitais são inalcançáveis, trazendo benefícios para toda a sociedade.
Primeiramente, para fins deste escrito, entenda como ofensa qualquer ato que atinja a sua honra ou imagem. Alguém que lhe atribuiu um crime falsamente, lhe desacreditou publicamente, lhe agrediu verbalmente pelas redes sociais, lhe ameaçou ou praticou qualquer ação que, de alguma maneira, lhe causou dano. Veja que a concretização do ato pode se dar de várias formas: por palavras, vídeos, montagens, charges, fotografias, imagens ou áudio. A forma não importa, o que vale é a o conteúdo e a ação praticada.
Ciente do ato, o ofendido tem que agir rapidamente. Quanto mais tempo demorar, mais a mensagem negativa pode se propagar na internet. Para fins didáticos, vou separar as ações a serem tomadas em três frentes: registrar, identificar e acionar a justiça.
No momento que tem ciência do conteúdo ofensivo, o primeiro passo é registrar toda a sua realização. Retire printscreens (cópia da tela) da publicação, salve as imagens e armazene os áudios. Lembre-se de realizar o registro do ato ofensivo de forma completa, salvando tanto conteúdo em si, quanto os perfis e sites veiculadores. Se outras pessoas ou meios também divulgaram a ação, registre também os seus compartilhamentos.
Lembre-se de salvar todos os dados referentes à publicação: mídias onde foi compartilhada, data e hora de compartilhamento, contexto de realização, pessoas envolvidas… todos esses fatos serão importantes para as ações futuras. Se não tem acesso ao conteúdo, peça a quem recebeu ou visualizou para que faça os registros.
Atenção a um ponto importante: o simples printscreen, em que pese ser muito utilizado, pode ser uma prova frágil para fins judiciais. Portanto, o ideal é que além dos registros imediatos, o ofendido procure um cartório para realizar uma ata notarial da ofensa, ou, caso inviável, utilize ferramentas eletrônicas de autenticação de registros, como o PACWeb. Na etapa, manter o sigilo e evitar confronto com o ofensor pode ser o melhor aliado para uma boa colheita das provas.
Feito isso, é o momento de identificar os autores e pessoas envolvidas na ação. Busque informação sobre aquele que praticou a ofensa, registrando não somente o seu perfil, como também outras postagens que atestem a titularidade da página ou perfil. Se ação foi praticada por aplicativos de mensagens, registre o número, nome e fotografia veiculada à conta. Os que compartilharam também precisam ser identificados, uma vez que foram propagadores do conteúdo, podendo ser responsabilizados pelos danos causados.
Veja que não basta o registro da foto e do nome da pessoa para comprovar a titularidade. Para fins judiciais, os registros de e-mail, número de telefone, IP (“endereço” dos dispositivos e conexões web) e URL (endereços dos sites da internet, os famosos “www.”) associados as contas e sites são os mais importantes para uma possível identificação dos autores e para determinação da retirada dos conteúdos do ar, principalmente se os dados forem praticados por fakes. Portanto, grave todos estes de forma segura.
Duas dicas são muito importantes para essa etapa:
– Dependendo da forma com que a ofensa foi compartilhada, realize um apanhado das possíveis republicações. Se foi publicada em um blog, por exemplo, busque no Google outras páginas que possam ter compartilhado a matéria. Se publicada no Facebook, veja quem realizou o compartilhamento da imagem.
– Se a propagação da notícia se deu em grupos (Whatsapp ou Facebook), registre os dados dos administradores. Dependendo do seu comportamento, eles podem ser responsabilizados de forma solidária pelos atos.
Com tais registros e identificação dos ofensores, é hora de agir para buscar minimizar os danos e obter a reparação devida.
É importante saber que as ofensas podem ter reflexos cíveis e penais, dependendo do caso. Uma assessoria jurídica especializada será essencial no planejamento das ações a serem tomadas. Afinal, o conteúdo da ofensa e a forma como praticada podem exigir ações específicas. Se o conteúdo foi obtido mediante invasão de dispositivo, pode ser necessário aplicar disposições da Lei Carolina Dieckmann; se a ofensa contém crime contra raça ou cor, aplicaremos a Lei Federal n.º 7.716/1989, e por aí vai.
Independentemente da situação, realize um boletim de ocorrência. Este documento servirá para formalizar a ocorrência dos fatos perante a autoridade policial competente.
Em seguida, notificar extrajudicialmente os envolvidos pode ser uma ótima forma de buscar a exclusão ou interrupção imediata da veiculação dos conteúdos. Aqui, os notificados podem ser os ofensores, administradores de grupos, titulares de sites, pessoas que compartilharam a notícia e até mesmo os provedores de aplicação, ou seja, quem tem o poder de impedir a divulgação da ofensa.
Ressalte-se que a exclusão do conteúdo pelo notificado não afetará um possível pedido de indenização por danos já sofridos. Entretanto, considerando que as ofensas sairão do ar, é primordial a realização dos registros dos atos de forma correta.
Feito isso, caso as ofensas configurem crimes (calúnia, injúria ou difamação, ameaça…), será necessário proceder com a representação ou queixa-crime perante a autoridade competente, para que a apuração tenha continuidade. O seu advogado lhe auxiliará nessa etapa, utilizando principalmente as provas pré-constituídas nas ações anteriores.
Tão importante quanto a medida penal é a cível. É ela que será a responsável por determinar a interrupção efetiva da veiculação do conteúdo, por meio de uma tutela de urgência pleiteada ao Juízo, quanto determinar que o ofensor não mais pratique tais atos, sob pena de multa e outras sanções, se retrate publicamente e indenize o ofendido pelos danos morais que lhe foram causados.
Somente assim, com a ação efetiva das vítimas e a punição dos ofensores, é que conseguiremos criar uma consciência social de que a internet não é terra sem lei, mas sim uma ferramenta primordial na busca pela igualdade digital.